19 Maneiras de Ver Wang Wei (com mais maneiras)

Eliot Weinberger

 

Nota do tradutor

É compreensível que 19 Ways of Looking at Wang Wei, lançado originalmente em 1987, ainda não tenha sido oficialmente traduzido para o português. Traduzir um comentário sobre traduções adiciona um nível de distanciamento que é difícil de superar. Mas talvez mais fácil que pareça: raramente somos distraídos pela dublagem de um filme que se passa explicitamente em outro país.

Apesar dessa analogia otimista, é evidente que cada tradução é um poema em si. E a tradução de um poema, como fica claro, é uma empreitada arriscada. Contudo, não é necessário considerar todas as facetas e interpretações que cada poema permite, não para este livro. Neste livro, Weinberger já apresenta sua interpretação de cada poema, e é através dessa ótica que a tradução foi feita: o poema em relação ao texto.

Fica evidente que as traduções das traduções apresentadas aqui não devem ser tiradas deste contexto — como imagino que Weinberger diria sobre suas traduções do espanhol e do francês.

A edição original do livro era composta de 19 traduções e dois posfácios: um de Octavio Paz, e um do autor. Em 2016, o livro foi expandido em uma nova edição que, além de pequenas alterações no texto, inclui 10 novas traduções e um novo posfácio do autor. Essa é a edição disponível hoje em inglês — inclusive, neste link —, e foi a base para minha tradução.

Qualquer nota que sobre a tradução ou naturalização será apresentada dessa maneira:1, e toda nota apresentada desta maneira será minha. Fiz meu melhor para a leitura ser confortável em um celular, mas a intenção é que seja lido numa tela maior.

Lucas Preti
16 de outubro de 2023



Índice

Introdução, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, Posfácio de Octavio Paz, Posfácio do autor, Mais maneiras: 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, Posfádio da nova edição, Posfácio do tradutor




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Poesia é aquilo que merece tradução.

Por exemplo, este poema de quatro linhas, de 1200 anos atrás: uma montanha, uma floresta, o sol poente iluminando o musgo. É um exemplo de Chinês literário, que nem é mais pronunciado à maneira que seu escritor o leria. É uma coisa, eternamente ela, inseparável de sua linguagem.

Ainda assim, algo sobre o poema o fez levar uma vida nômade: insinuando-se nas mentes dos leitores, exigindo compreensão — mas sempre sob os termos dos leitores — provocando pensamento, às vezes causando textos em outras línguas. Grandes poemas vivem em um estado de perpétua transformação, perpétua tradução: o poema morre quando não tem para onde ir.

As transformações que acontecem no papel impresso — e não na mente dos leitores —, que levam o nome formal de “tradução”, se tornam uma coisa por si só, e seguem suas próprias vidas. Algumas vivem muito e algumas não. Que tipo de criaturas elas são? O que acontece quando um poema, uma vez Chinês e ainda Chinês, se torna uma obra de poesia em Inglês, Espanhol ou Francês?




 

1.

(texto)

鹿柴

空山不見人
但聞人語響
返景入深林
復照青苔上

O poema é de Wang Wei (c. 700–761), conhecido durante a vida como um rico pintor e calígrafo Budista, e para as gerações posteriores como um mestre poeta em uma era de mestres, a Dinastia Tang. A quadra é de uma série de vinte poemas sobre várias paisagens perto do rio Wang (não relacionado). Os poemas foram escritos como parte de um enorme pergaminho horizontal, um gênero que ele inventou. A pintura foi copiada (traduzida) por séculos. O original foi perdido, e a cópia sobrevivente mais antiga vem do século XVII: a paisagem de Wang depois de 900 anos de transformação.

No Chinês clássico2, cada caractere (ideograma) representa uma palavra monossilábica. Poucos dos caracteres são, como costumam pensar, inteiramente representativos. Mas parte do vocabulário básico é de fato pictográfico, e com essas poucas centenas de caracteres seria possível jogar um jogo de fingir ler Chinês.

Lendo o poema da esquerda para a direita, de cima para baixo, o segundo caractere na linha 1 é aparentemente uma montanha; o último caractere na mesma linha é uma pessoa — ambos são estilizações que evoluíram de representações mais literais. O caractere 4 na linha 1 era um favorito de Ezra Pound: que ele interpretou como um olho com pernas; ou seja, o olho em movimento, ver. O caractere 5 na linha 3 é duas árvores, floresta. Relações espaciais são concretamente representadas no caractere 3 da linha 3, entrar, e no caractere 5 da linha 4, acima ou em (em cima).

Mais atípico para o Chinês é o caractere 2 da linha 4, brilhar, que contém uma imagem do sol no canto superior esquerdo e de fogo em baixo, além de um elemento puramente fonético — chave para a pronúncia da palavra — no canto superior direito. A maioria dos outros caracteres não possuem conteúdo pictográfico útil de decifração.


2.

(transliteração)



Lù zhái

 

Kōng shān bù jiàn rén
Dàn wén rén yŭ xiăng
Făn jĭng (yĭng) rù shēn lín
Fù zhào qīng tái shàng


A transliteração é uma forma moderna de Chinês, usando o peculiar sistema pinyin. É intuitivo, talvez, para os Romenos que ajudaram a desenvolvê-lo, mas não para os Ingleses3, que o zh é um som de j, o x é um s soprado mais fortemente, e o q é um forte ch. O a é o ah de father.

Apesar dos caracteres continuarem os mesmos, as pronúncias mudaram consideravelmente desde a Dinastia Tang. Nos anos 1920, o filologista Bernhard Karlgren tentou recriar a fala Tang; uma transliteração deste poema, usando o sistema de Karlgren, pode ser encontrado em 55 Tang Poems, de Hugh M. Stimson. Infelizmente, a transliteração foi escrita em sua própria lingua proibitiva, com letras de ponta-cabeça, letras flutuando sobre palavras, e uma floresta nivelada de marcas diacríticas.

Dentre os idiomas maiores, o Chinês é o que tem o menor número de sons. No Chinês moderno, uma sílaba pode ser pronunciada em quatro tons distintos, mas qualquer sílaba em qualquer tom tem dezenas de possíveis significados. Portanto, uma palavra Chinesa monossilábica (e muitas vezes o caractere escrito) é compreensível somente no contexto da frase: uma base linguística, talvez, para a filosofia Chinesa, que foi sempre baseada em relações ao invés de substância.

Para a poesia, isso significa que a rima é inevitável, e a “métrica” Ocidental é impossível. A prosódia Chinesa lida em grande parte com o número de caracteres por linha e o arranjo dos tons — ambos intraduzíveis. Mas tradutores tendem a se apressar aonde os sábios passam longe, e muitas vezes são vistos tentando adotar os padrões Chineses de rima no ambiente inóspito dos idiomas Ocidentais.



3.

(tradução de caractere por caractere)

 

1.

Vazio

montanha(s)
colina(s)

(negativo)

ver

pessoa(s)

2.

Mas

ouvir
pessoas

pessoa
conversa

palavras
ecoar

som

3.

Retornar

brilho, claro
sombra(s)*

entrar

profundo

floresta

4.

Retornar
Novamente

brilhar
refletir

verde
azul
preto

musgo
líquen

acima
em (cima de)
em cima

*Segundo François Cheng, sombras retornando é um arquétipo que significa raios do por do sol.

 

Apresentei somente as definições possíveis para esse texto. Existem outras.

Um único caractere pode ser um substantivo, verbo e adjetivo. Pode até ter significados contraditórios: caractere 2 da linha 3 é ou jing (brilho) ou ying (sombra). Novamente, contexto é tudo. Particularmente difícil para o tradutor ocidental é a falta de tempo nos verbos Chineses: no poema, o que está acontecendo já aconteceu e vai acontecer. Similarmente, substantivos não tem número: rosa é uma rosa é todas rosas.

Contraditório à evidência da maioria das traduções, a primeira pessoa do singular raramente aparece na poesia Chinesa. Ao eliminar a mente controladora do poeta individual, a experiência se torna, ao mesmo tempo, universal e imediata ao leitor.

O título do poema, Lu zoai, é um nome-lugar, algo como Deer Grove4, que eu achei em um mapa de Illinois. Provavelmente é uma alusão ao Deer Park em Sarnath, onde o Gautama Buddha deu seu primeiro sermão.

As primeiras duas linhas são bem diretas. O segundo par tem, como veremos, várias leituras possíveis, todas igualmente “corretas”.



4.

 

The Form of the Deer

So lone seem the hills; there is no one in sight there.
But whence is the echo of voices I hear?
The rays of the sunset pierce slanting the forest,
And in their reflection green mosses appear.

A Forma do Cervo

Tão solitárias parecem as colinas; não há ninguém à vista lá.
Mas de onde é o eco de vozes que ouço?
Os raios do por do sol penetram oblíquos a floresta,
E em seu reflexo verde musgo aparece.

— W.J.B. FLETCHER, 1919
(Fletcher, Gems of Chinese Verse)



A tradução é típica das escritas antes do reconhecimento geral de _Cathaty_ de Ezra Pound, publicado em 1915. O pequeno livro, que contém alguns dos poemas mais belos na língua Inglesa, foi baseado em um caderno de traduções literais do Chinês preparado pelo orientalista Ernest Fenollosa e um informante Japonês. A “acurácia” das versões de Pound ainda é um assunto sensível: pedantes reclamam dos erros, mas Wai-lim Yip demonstrou que Pound, que na época não sabia nada de Chinês, *intuitivamente* corrigiu erros do manuscrito de Fenollosa. Independente de seu valor acadêmico, _Cathay_ marcou, nas palavras de T. S. Elliot, “a invenção da poesia Chinesa na nossa época”. Ao invés de enfiar o original no espartilho das formas de verso tradicionais, como Fletcher e outros fizeram, Pound criou uma nova poesia em Inglês a partir do que ele achava único à lingua Chinesa.

“Toda força”, disse Mãe Ann Lee dos Shakers, “envolve uma forma”. O gênio de Pound foi na descoberta da matéria viva, a força, do poema Chinês — o que ele chamou de “o novo que continua novo” através dos séculos. Esta matéria viva funciona como um DNA, produzindo traduções individuais que são parentes, não clones, do original. A relação do original com a tradução é de pai-filha. E existem, invariavelmente, algumas traduções apegadas demais aos originais, e outras constantes rebeldes.

Fletcher, como todos os primeiros (e muitos dos recentes) tradutores, sente que deve explicar e “melhorar” o poema original. Onde o por do sol de Wang entra na floresta, os raios de Fletcher penetram oblíquos; onde Wang diz simplesmente que vozes são ouvidas, Fletcher inventa um narrador em primeira pessoa que pergunta de onde vem os sons. (E se as colinas estão , onde está o narrador?)

Na linha 4, ambiguidade foi traduzida como confusão: a linha fe Fletcher não tem sentido. (Que reflexo onde?) Ou talvez a linha tenha uma sutileza Platônica improvável: se seu se refere ao musgo, então o que aparece é o reflexo do musgo em si.

Fletcher explica este curioso (e igualmente Platónico) título com uma nota que diz que zhai significa “aquele lugar onde o cervo dorme, sua ‘forma’”.

5.

 

Deer-Park Hermitage

There seems to be no one on the empty mountain…
And yet I think I hear a voice,
Where sunlight, entering a grove,
Shines back to me from the green moss.

Eremitário Parque-Cervo

Parece não haver ninguém na montanha vazia…
E ainda assim acho que ouço uma voz,
Onde a luz do sol, entrando no bosque,
Brilha de volta para mim do musgo verde.

— WITTER BYNNER &
KIANG KANG-HU, 1929
(Bynner & Kiang, The Jade Mountain)


Witter Bynner foi um dos principais fornecedores de tradução Chinoiserie5 em Inglês na década de 1920 — mas não exoticista ao extremo como seus companheiros Imagistas Amy Lowell e Florence Ayscough, que não traduziram este poema. Seu poeta Chinês, contudo, escreve das neblinas etéreas da meia-percepção: *parece não haver*, *ainda assim acho que ouço*. (Wang, contudo, simplesmente não vê ninguém e ouve alguém.)

Onde Wang é específico, o Wang de Bynner parece estar assistindo o mundo por uma neblina de ópio e refletido em mil taças de vinho. É um mundo onde nenhuma afirmação pode ser feita sem reticências pensativas e cansadas. O eu até ouve uma voz onde a luz do sol brilha de volta para ele do musgo. Tal falta de sentido era tradicionalmente explicada como referência ao místico e impenetravel Leste Fu Manchu.

6.

 

The Deer Park

An empty hill, and no one in sight
But I hear the echo of voices.
The slanting sun at evening penetrates the deep woods
And shines reflected on the blue lichens.

O Parque dos Cervos

Uma colina vazia, e ninguém à vista
Mas eu ouço o eco de vozes.
O sol inclinado no anoitecer penetra a profunda mata
E brilha refletido nos líquens azuis.

— SOAME JENYNS, 1944
(Jenyns, Further Poems of the T’ang Dynasty)


Desinteressante, mas bastante direto, as únicas adições de Jenyns são o inevitável eu e o explicativo sol inclinado no anoitecer. Ele é o único tradutor a preferir líquen a musgo, apesar do plural da palavra ser bastante feio.

Na quarta linha zhao vira ambos brilha refletido, ao invés de um ou outro, mas ele ainda cai na armadilha do “refletido”: o sol reflete-se onde?

Poesia Chinesa era baseada em precisas observações do mundo físico. Jenyns e outros tradutores vieram de uma tradição onde a ideia de questionar uma imagem poética seria tolice, onde a palavra “poético” em si é sinônima de “etéreo”.

Ele poderia ter passado despercebido se tivesse escrito E brilha refletido junto aos líquens azuis — correto quanto a natureza, mas não quanto a Wang. Mas Jenyns — na época Guardião Assistente no Departamento de Antiguidades Orientais no British Museum, traduzindo durante a Blitz 6 — estava tão distante da experiência do poema que achou necessário adicionar a seguinte nota de rodapé na linha 2: “A mata é tão densa que lenhadores e pastores estão escondidos”.

7.

 

La Forêt

Dans la montagne tout est solitaire,
On entend de bien loin l’écho des voix humaines,
Le soleil qui pénètre au fond de la forêt
Reflète son éclat sur la mousse vert.

A Floresta

Na montanha tudo é solitário,
Ouve-se de bem longe o eco de vozes humanas,
O sol que penetra ao fundo da floresta
Reflete seus raios sobre o musgo verde.

— G. MARGOULIES, 1948
(Margouliès, Anthologie raisonée de la littérature Chinoise)

Margoulies prefere generalizar as especificações de Wang: Bosque de Cervos se torna, simplesmente, A Floresta; ninguém à vista se se torna o existencialista tudo é solitário. Na segunda linha ele poetiza as vozes fazendo-as vir de bem longe. O pronome indefinido do Francês confortavelmente exclui a necessidade de um narrador.

8.

 

Deer Forest Hermitage

Through the deep wood, the slanting sunlight
Casts motley patterns on the jade-green mosses.
No glimpse of man in this lonely mountain,
Yet faint voices drift on the air.

Eremitério na Floresta dos Cervos

Através da mata densa, a luz do sol inclinada
Projeta padrões matizados no musgo verde-jade.
Não há vislumbre do homem nesta montanha solitária,
Ainda assim vozes fracas flutuam no ar.

— CHANG YIN-NAN &
LEWIS C. WALMSLEY, 1958
(Wang Wei, Poems, trad. Chang & Walmsley)

Chang e Walmsley publicaram o primeiro livro de traduções de Wang Wei para o Inglês, mas infelizmente seu trabalho tem pouca semelhança com o original.

Neste poema, os pares foram invertidos sem motivo. As vozes são fracas e flutuam no ar. A montanha é solitária (uma ideia Ocidental, contraditória ao Budismo de Wang, de que vazio = solidão) mas é o sonho de um decorador: o musgo é verde como jade e o sol projeta padrões matizados.

É um exemplo clássico de um tradutor tentando “melhorar” o original. Tais casos não são incomuns, e são produto de um tipo de desdém pelo poeta estrangeiro. Nunca ocorreu a Chang e Walmsley que Wang poderia ter escrito o equivalente de projeta padrões matizados no musgo verde-jade se quisesse. Ele não escreveu.

De certa maneira, a tradução é um exercício espiritual, que depende da dissipação do ego do tradutor: humildade absoluta para com o texto. Uma má tradução é a voz insistente do tradutor — ou seja, quando não se vê o poeta e somente ouve-se o tradutor a falar.

9.

 

The Deer Enclosure

On the lonely mountain
I meet no one,
I hear only the echo
of human voices.
At an angle the sun’s rays
enter the depths of the wood,
And shine
upon the green moss.

A Clausura dos Cervos

Na montanha solitária
eu não encontro ninguém,
Eu só ouço o eco
de vozes humanas.
Em um ângulo os raios de sol
entram nas profundezas da mata,
E brilham
sobre o musgo verde.

 — C. J. CHEN & MICHAEL BULLOCK, 1960
(Chen & Bullock, Poems of Solitude)

Chen e Bullock fazem algumas “melhorias” já familiares: o narrador em primeira pessoa, a montanha solitária, o sol em um ângulo. O ver de Wang vira encontro na segunda linha; há uma diferença. A principal inovação foi a criação de oito linhas para as quatro de Wang — um gesto que aparentemente os surpreendeu quando tiveram que dividir a última linha em duas.

10.

 

On the empty mountains no one can be seen,
But human voices are heard to resound.
The reflected sunlight pierces the deep forest
And falls again upon the mossy ground.

Nas montanhas vazias ninguém pode ser visto,
Mas vozes humanas são ouvidas ressoando.
O sol refletido penetra na floresta profunda
E cai novamente sobre o chão de musgo.

— JAMES J. Y. LIU, 1962
(Liu, The Art of Chinese Poetry)

O livro de Liu aplicou as técnicas da Nova Crítica dos anos 1940 para a interpretação de poesia Chinesa. Os Novos Críticos restritamente desconsideravam perspectivas históricas ou biográficas, e especialmente apreciavam ambiguidades, ironias e metáforas elaboradas. Eles costumavam ignorar a sonoridade. Portanto, a versão de Liu desvia menos que a maioria, mas nas primeiras linhas falta ar, a terceira se sobressalta, e a quarta desaba no rimado chão de musgo.

Em seu comentário, depois de traduzir a primeira linha literalmente como Vazio montanha não ver pessoas, Liu escreve:

O poeta simplesmente diz “não ver pessoas”, não “Eu não vejo ninguém” ou mesmo “Não se vê ninguém”: consequentemente nenhuma pergunta desajeitada como “Se não há ninguém lá, quem ouve as vozes” ou “Se você está lá, como poderia dizer que as montanhas estão vazias?” ocorrerá ao leitor.

(Deixarei essa aos versados em lógica.) Ele continua:

Na verdade, ele faz sentir a presença da Natureza como um todo, em que as montanhas, as vozes humanas, a luz do sol, os musgos, são todos iguais. Para preservar esse senso de impersonalidade em Inglês, resta recorrer à “voz passiva”: Nas montanhas vazias ninguém pode ser visto.

Mas, ao mudar o esperado é por pode ser na primeira linha, Liu transformou as especificidades de Wang em uma frase generalizada e ligeiramente pomposa: “Em um cômodo vazio, nenhuma mobília pode ser vista”. O redundante vozes humanas é uma alusão incongruente a T. S. Eliot (“Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos."7) e o resound do século XIX só está lá para rimar com ground. Um raio de sol pode penetrar na floresta profunda, mas sol refletido, não; e está faltando à terceira linha de Liu o senso de que é o final da tarde, que a luz do sol está retornando à floresta. Na quarta linha, verde foi subtraído, chão adicionado. A favor de Liu, contudo, está a falta do “eu” e das explicações costumeiras.

11.

 

Deep in the Mountain Wilderness

Deep in the mountain wilderness
Where nobody ever comes
Only once in a great while
Something like the sound of a far off voice,
The low rays of the sun
Slip through the dark forest,
And gleam again on the shadowy moss.

Profundo na Montanha Selvagem

Profundo na montanha selvagem
Onde ninguém nunca vem
Só muito de vez em quando
Algo como o som de uma voz distante,
Os raios baixos do sol
Deslizam-se pela floresta escura,
E cintilam novamente no musgo umbroso.

 — KENNETH REXROTH, 1970
(Rexroth, Love and the Turning Year)

A taxonomia de tradutores do Chinês é bem simples. Há os Sinólogos, a maioria dos quais é incapaz de escrever poesia, porque sabem tudo sobre a língua original e pouco sobre a língua para qual estão traduzindo. As poucas exceções, como Burton Watson e Arthur Waley, eram instruídos em poesia contemporânea em Inglês — e parte dessa comunidade. E há os poetas: a maioria não sabe nada de Chinês, alguns sabem um pouco. Kenneth Rexroth pertencia a esta última categoria (junto de Gary Snyder e o Pound mais recente) — apesar de que este exemplo em específico ser mais uma “imitação” do que uma tradução.

Rexroth ignora o que ele provavelmente não gostou, ou sentiu que não haveria como ser traduzido, no original. O título é eliminado, e o filosófico montanha vazia vira o empírico montanha selvagem. Certas palavras e frases são de sua própria invenção. Uma delas, onde ninguém nunca vem o leva a uma armadilha: ele precisa modificar o som de uma voz distante com algo como, e acaba gerando uma quarta linha bastante desajeitada. Mas este é claramente o primeiro poema de verdade do grupo, um que conseguiria existir sozinho. É o que mais próximo chega ao espírito, apesar de não da letra, do original: o poema que Wang escreveria se tivesse nascido um Americano do século XX.

A grande habilidade de Rexroth é visível em três pequenos gestos. Na linha 2, ao usar vem ao invés do mais óbvio vai, ele criou um narrador-observador implícito (“vem aqui onde estou”) sem usar a primeira pessoa. Segundo, ele usa uma frase completamente ordinária, muito de vez em quando, e nos deixa ouvi-la, pela primeira vez, como algo adorável e onomatopeico. E terceiro, o deslizam-se de Rexroth no lugar do entram de Wang é talvez sensual demais, mas é irresistível.

12.

 

Deer Fence

Empty hills, no one in sight,
only the sound of someone talking;
late sunlight enters the deep wood,
shining over the green moss again.

Cerca dos Cervos

Colinas vazias, ninguém à vista,
só o som de alguém falando;
luz tardia do sol entra na mata profunda,
brilhando sobre o musgo verde novamente.

— BURTON WATSON, 1971
(Watson, Chinese Lyricism)

Watson é um prolífico e notório tradutor de poesia, história e filosofia Chinesa clássica; ele é comparável, neste século, somente a Arthur Waley, que infelizmente nunca traduziu este poema. Ele também foi o primeiro acadêmico cujo trabalho mostrou afeição com a revolução modernista na poesia Americana: precisão absoluta, concisão, e o uso do discurso do coloquial.

[Curiosamente, enquanto a maioria dos modernistas Franceses e Americanos acendiam incensos nos altares de seus recém-descobertos ancestrais na China, os acadêmicos Chineses ignoravam, ou eram ativamente hostis, com a poesia moderna. Muitos ainda são. Poetas Chineses, contudo, se animavam com os trabalhos do Oeste. Os manifestos de 1917 de Hu Shih, que inauguraram a “Renascença Chinesa” na literatura ao rejeitar a linguagem e temas clássicos em troca do vernáculo e do realismo, foram em grande parte inspirados pelo manifesto Imagista de 1913, de Ezra Pound. O círculo completo: Pound achava ter trazido da China, Hu Shih pensava que viera do Oeste.]

Watson aqui condensa os primeiros dois caracteres da linha 1 em duas palavras: sem artigo, sem explicação. Sua apresentação da imagem é tão direta quanto a Chinesa. Existem 24 palavras no Inglês (seis por linha) para as 20 Chinesas, porém toda palavra do Chinês foi traduzida sem recorrer, como outros, a um minimalismo telegráfico. Na tradução da poesia Chinesa, como em tudo, nada é mais difícil que a simplicidade.

Mais que um arranjo de tons, ritmos, e número de caracteres por linha, a poesia Chinesa, como todas as poesias antigas, é baseada no paralelismo: a natureza dupla (yin-yang) do universo. As primeiras duas linhas de Wang são típicas: ver ninguém / mas ouvir pessoas. Ele até repete o caractere para pessoas. Watson retém o paralelismo de Wang sem muito esforço (ninguém / alguém) mas foi o primeiro tradutor a fazê-lo.

Watson prefere colinas a montanhas e, no título, Cerca a Parque ou Clausura. Isto pode ser porque, no pergaminho pintado de Wang, a paisagem é mais colinosa que montanhosa e cervos são de fato contidos por uma cerca.

13.

 

Deer Enclosure

Empty mountain: no man is seen,
But voices of men are heard.
Sun’s reflection reaches into the woods
And shines upon the green moss.

Clausura dos Cervos

Montanha vazia: nenhum homem é visto,
Mas vozes de homens são ouvidas.
Reflexo do sol estica-se para dentro da mata
E brilha sobre o musgo verde.

 — WAI-LIM YIP, 1972
(Wang Wei, Hiding the Universe, trad. Yip)

Yip é um crítico que escreveu brilhantemente sobre a importância da poesia Chinesa para a poesia Americana do século XX. Como tradutor, ele é menos bem-sucedido, talvez pelo Inglês ser sua segunda língua. (Raramente é possível, apesar de muitos tentarem, traduzir fora do idioma nativo.) O que explicaria a estranheza de nenhum homem é visto e do antropomorfizado estica-se para dentro.

Como Burton Watson, Yip segue Wang na repetição de pessoa nas duas primeiras linhas (apesar de suas pessoas serem homens) e apresenta seis palavras Inglesas por linha para as cinco Chinesas. Mas, diferente de Watson e os outros tradutores, Yip nos dá menos do que o original — deixando de fora profundo e novamente.

Numa versão posterior desta tradução, publicada na antologia Chinese Poetry, Yip se aproximou do pidgin8 ao reduzir a primeira linha para Montanha vazia: sem homem.

14.

 

Deer Park

Hills empty, no one to be seen
We hear only voices echoed —
With light coming back into the deep wood
The top of the green moss is lit again.

Parque dos Cervos

Colinas vazias, nenhum homem a ser visto
Nós ouvimos somente vozes ecoadas —
Com luz retornando para a mata profunda
O topo do musgo verde é iluminado novamente.

 — G. W. ROBINSON, 1973
(Robinson, Poems of Wang Wei)

A tradução de Robinson, publicada por Penguin Books, é, infelizmente, a edição de Wang em Inglês mais amplamente disponível.

Neste poema Robinson não somente cria um narrador, mas cria um grupo, como se fosse um passeio de família. Com essa única palavra, Nós, ele efetivamente afugenta o estado de espírito do poema.

Lendo a última palavra do poema como topo, ele oferece uma imagem que faz pouco sentido quanto ao chão da floresta: deve-se ser realmente muito pequeno para pensar verticalmente sobre musgo.

Tente ler em voz alta, para dar um susto no cérebro.

15.

 

En la Ermita del Parque de los Venados

No se ve gente en este monte.
Sólo se oyen, lejos, voces.
Por los ramajes la luz rompe.
Tendida entre la yerba brilla verde.

No Eremitério do Parque dos Cervos

Não se vê gente neste monte.
Só se ouve, longe, vozes.
Pelos ramos a luz rompe.
Estendida sobre a erva brilha verde.

 — OCTAVIO PAZ,
(Paz, Versiones y Diversiones)

Na segunda edição de Versiones y Diversiones, sua coleção de traduções, Paz escreveu:

A tradução deste poema é particularmente difícil, pois o poema carrega um extremo das características da poesia Chinesa: universalidade, impessoalidade, ausência de tempo, ausência de tópico. No poema de Wang Wei, a solitude da montanha é tão grande que nem o próprio poeta está presente. Depois de várias tentativas eu escrevi estas quatro linhas sem rima: três com nove sílabas cada, e a última com onze.

Meses depois, lendo alguns textos de Mahayana, eu fiquei surpreso com a frequência em que o paraíso Ocidental, território do Amida Buddha, é mencionado. Lembrei-me que Wang Wei fora um Budista fervoroso: eu consultei um de seus biógrafos e descobri que sua devoção para o Amida era tamanha que escreveu um cântico em que fala de seu desejo de renascer no Paraíso Ocidental — o lugar do sol poente…

Isto é poesia sobre natureza, mas uma poesia Budista sobre natureza: A localização não refletiria, até mais que a estética tradicional naturalista desde tipo de composição, uma experiência espiritual? Algum tempo depois, Burton Watson, que sabe do meu amor pela poesia Chinesa, enviou-me seu Chinese Lyricism. Lá eu encontrei uma confirmação para minha suspeita: para Wang Wei a luz do sol poente tinha um significado muito específico. Uma alusão ao Amida Buddha: No final da tarde o adepto medita e, como musgo na floresta, recebe iluminação. Poesia perfeitamente objetiva, impessoal, longe do misticismo de um São João da Cruz, mas não menos autêntico ou profundo do que a do poeta Espanhol. Transformação do homem e da natureza diante da luz divina, apesar de contrário à tradição Ocidental. Ao invés da humanização do mundo que nos cerca, o espírito Oriental é preenchido com a objetividade, passividade e impessoalidade das árvores, grama e pedras, para que, impessoalmente, receba a luz imparcial de uma revelação que também é impessoal. Sem perder a realidade das árvores, pedras, e terra, a montanha e a floresta de Wang Wei são emblemas do vazio. Imitando sua reticência, eu limitei-me a mudar levemente as duas últimas linhas:

No se ve gente en este monte.
Solo se oyen, lejos, voces.
La luz poniente rompe entre las ramas.
En la yerba tendida brilla verde.

Não se vê gente neste monte.
Só se ouve, longe, vozes.
A luz poente rompe pelos ramos.
Na erva estendida brilha verde.

Paz tira o vazio da primeira linha; na segunda, como Margouliès e Rexroth, ele coloca as vozes longe. Sua terceira linha, talvez seja a mais linda de todas as versões: substituindo o abstrato luz entra na floresta pelo concreto e dramático pelos ramos a luz rompe — a luz quase tornando-se a iluminação repentina, satori do Budismo Chan (Zen) de Wang. Na quarta linha, o musgo se tornou erva. Sem dúvida porque a palavra espanhola para musgo, musgo, é desconfortavelmente mole. (Que perfeito — macio e úmido — é o Inglês moss!)

O que falta nessas adoráveis terceira e quarta linhas é a qualidade cíclica do original. Wang começa ambas linhas com retornar: pegando uma hora específica do dia e transformando-a em um momento, congelado em sua recorrência, que se torna cósmico. Lendo a imagem como uma metáfora para iluminação, o ordinário (por do sol na floresta) representa o extraordinário (a iluminação do indivíduo) que, em termos do cosmos, é tão ordinário quanto a luz do sol iluminando um musgo.

Uma série sem fim de negações: A montanha parece vazia (sem pessoas) porque ninguém está à vista. Mas pessoas são ouvidas, então a montanha não está vazia. Mas a montanha está vazia porque é uma ilusão. A luz do Paraíso Ocidental, a luz chamada sombra cai.

[Veja o posfácio de Paz para sua terceira versão do poema]

16.

 

Li Ch’ai

In empty mountains no one can be seen.
But here might echoing voices cross.
Reflecting rays
entering the deep wood
Glitter again
on the dark green moss.

Li Ch’ai

Em montanhas vazias ninguém pode ser visto.
Mas aqui vozes ecoando podem cruzar.
Raios refletidos
entrando na mata profunda
Brilham novamente
no musgo verde escuro.

–WILLIAM McNAUGHTON, 1974
(McNaughton, Chinese Literature)

McNaughton oferece o nome do lugar em Chinês como o título, mas sua transliteração está incorreta — algo como Parque da Cerveja.

A linha 1 copia James Liu substituindo-a pela voz passiva e, assim como Liu, parece quase uma paródia de Sabedoria Oriental. A linha 2 coloca a ação aqui sem motivo, e adiciona cruzar9 para o esquema de rimas que ele mesmo se impôs. (Poucas palavras rimam com moss, raras como um albatroz10) O condicional podem é bizarro. (Então, cruzam ou não?)

Dividir as últimas duas linhas em quatro é aparentemente uma tentativa de representação pictorial.

17.

 

Clos aux cerfs

Montagne déserte. Personne n’est en vue.
Seuls, les échos des voix résonnent, au loin.
Ombres retournent dans la forêt profonde:
Dernier éclat de la mousse, vert.

Clausura dos cervos

Montanha deserta. Pessoa nenhuma à vista.
Somente, os ecos de vozes ressonantes, à distancia.
Sombras retornam à floresta profunda:
Último brilho do musgo, verde.

 — FRANÇOIS CHENG, 1977
(Cheng, L’écriture poétique chinoise)

Cheng escreve:

[Wang] descreve aqui um caminhar na montanha, que, ao mesmo tempo, é uma experiência espiritual, uma experiência do Vazio e uma comunicação com a Natureza. O primeiro par de linhas deve ser interpretado “Na montanha vazia não encontro ninguém; só alguns ecos de vozes de pessoas andando chegam a mim.” Mas, através da supressão do pronome pessoal e de elementos de local, o poeta identifica-se imediatamente com a “montanha vazia”, que é, portanto, mais que meramente um “elemento de lugar”; similarmente, na terceira linha ele é o raio de luz do sol poente que penetra a floresta. Do ponto de vista do conteúdo, as primeira duas linhas apresentam o poeta como ainda “não vendo”; em seus ouvidos ecos de vozes humanas ainda ressoam. As últimas duas linhas são centradas no tema de “visão”: ver o efeito dourado do sol poente no musgo verde. Visão aqui significa iluminação e profunda comunhão com a essência das coisas. Fora daqui, o poeta muitas vezes omite o pronome pessoal para efetuar a descrição de ações em sequência, onde atos humanos são relacionados a movimentos na natureza.

Cheng também apresenta uma tradução literal do poema:

Montagne vide / ne percevoir personne
Seulement entendre / voix humaine résonner
Ombre-retournée / penetrer forêt profonde
Encore luire / sur la mousse verte

Montanha vazia / não perceber ninguém
Apenas ouvir / voz humana ressoar
Sombras retornam / penetrar floresta profunda
Novamente brilha / sobre o musgo verde

É curioso ver como Cheng poetiza e até Ocidentaliza sua versão literal para criar a tradução finalizada. O Budista montagne vide (montanha vazia) se torna o Romântico montagne déserte (montanha deserta). Échos e au loin (à distância) são adicionados à segunda linha. Na terceira, seu literal ombre-retournée (retorno da sombra — um arquétipo que ele nota significar “raios do por-do-sol”) se tornou sujeito e verbo, ombres retornent (sombras retornam) que altera consideravelmente o significado. A última linha de Cheng é bastante peculiar: o literal Encore luire sur la mousse verte (novamente brilha sobre o musgo verde) se torna Dernier echat de a mousse, vert (último brilho do musgo, verde — o verde referindo ao brilho, não ao musgo). A linha bebe mais do Simbolismo Francês do que do Budismo Tang.

Traduções à parte, o livro de Cheng é um luminoso e original estudo sobre a poesia Chinesa. Na versão em Inglês, publicada em 1982, Jerome P. Seaton, trabalhando “em cima das interpretações de” Cheng, oferece uma tradução que se assemelha mais à de Gary Snyder, de 1978, do que à de Cheng:

Deer Park

Empty mountain. None to be seen.
But hear, the echoing of voices.
Returning shadows enter deep, the grove.
Sun shines, again, on lichen’s green.

Parque dos Cervos

Montanha vazia. Ninguém a se ver.
Mas ouça, o eco das vozes.
Sombras retornando entram profundo, o arvoredo.
Sol brilha, novamente, no verde do musgo.

18.

 

The Deer Park

Not the shadow on a man on the deserted hill —
And yet one hears voices speaking;
Deep in the seclusion of the woods,
Stray shafts of the sun pick out the green moss.

Parque dos Cervos

Sem a sombra em um homem na colina deserta —
Ainda assim se ouve vozes falando;
Profundo no isolamento da mata,
Colunas oblíquas do sol pegam o musgo verde.

 — H. C. CHANG, 1977
(Chang, Chinese Literature, Vol II: Nature Poetry)

Chang traduz 12 das 20 palavras de Wang, e inventa o resto.

Na linha 1 o primeiro em é provavelmente um erro tipográfico, mas neste contexto é difícil dizer. Mesmo assim, o que essa sombra está fazendo (ou melhor, não fazendo) lá? Só a sombra sabe.

Por que as colunas de sol oblíquas? Por que seriam colunas? E por que elas pegam o musgo? O verbo inevitavelmente faz lembrar moluscos ou caranguejos.

Resumidamente, o poema é mais Chang que Wang. (Foi tirado de um set de três volumes, todos pelo mesmo tradutor, e publicados, estranhamente, pela Columbia University Press.)

19.

 

Empty mountains:
no one to be seen.
Yet — hear —
human sounds and echoes.
Returning sunlight
enters the dark woods;
Again shining
on the green moss, above.

Montanhas vazias:
ninguém a se ver.
Mas — ouça —
sons e ecos humanos.
Luz do sol retornando
entra na mata escura;
Novamente brilhando
no musgo verde, acima.

 — GARY SNYDER, 1978
(Journal for the Protection of All Beings, No. 4, Fall 1978. Reimpresso em The Gary Snyder Reader)

Com certeza uma das melhores traduções, adjudada pela extensa experiência de Snyder com a floresta. Como Rexroth, ele consegue ver a cena. Toda palavra de Wang foi traduzida, e nada adicionado; ainda assim, a tradução existe como um poema Americano.

Mudar o passivo é ouvido pelo imperativo ouça é particularmente bonito, e, apesar de peculiar, não é necessariamente incorreto: acaba por criar um momento exato, o agora. Dar-nos ambos significados, sons e ecos, para a última palavra da linha 2 é, como a maioria das ideias sensatas, revolucionário. Tradutores costumam supor que apenas uma interpretação de uma palavra ou frase estrangeira pode ser apresentada, apesar de ser raro uma correspondência perfeita.

O poema acaba estranhamente. Snyder pega a última palavra, que todos os outros leram como em cima, e a traduz como seu significado alternativo, acima, isolando-a da frase com uma vírgula. O que aconteceu? Pressupõe-se que musgo só está acima quando se é uma pedra ou um inseto. Ou devemos olhar acima, depois de ver o musgo, de volta para o sol: a metáfora vertical da iluminação?

Em resposta à minha dúvida, Snyder escreveu: “A razão para ‘. . . musgo, acima’ . . . é que o sol está entrando (em sua inclinação da aurora, daí o ‘novamente’ — um raio final) na mata, e iluminando algum musgo acima nas árvores. (NÃO NAS PEDRAS.) Foi assim que meu professor Ch’en Shih-hsiang o interpretou, e minha esposa (Japonesa) também, na primeira vez que viu o poema.”

A questão é que uma tradução é mais do que pular de dicionário a dicionário; é a reimaginação do poema. Assim, toda leitura de todo poema, independente do idioma, é um ato de tradução: tradução para a vida intelectual e emocional do leitor. Como nenhum leitor permanece o mesmo, cada leitura se torna uma leitura diferente — não meramente outra. O mesmo poema não pode ser lido duas vezes.

A explicação de Snyder é apenas um momento, o mais recente, em que o poema de repente se transforma na nossa frente. Os vinte caracteres de Wang permanecem os mesmos, mas o poema continua num estado de mudança incansável.

[1979]

 
 
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Posfácio de Octavio Paz

11

O ensaio de Eliot Weinberger sobre as sucessivas traduções do pequeno poema de Wang Wei ilustra, com claridade sucinta, não somente a evolução da arte da tradução no período moderno mas ao mesmo tempo as mudanças na sensibilidade poética. Seus exemplos vêm do Inglês e, numa quantidade menor, do Francês; estou certo de que uma exploração paralela do Alemão ou do Italiano iria produzir resultados similares. Weinberger cita somente uma versão em Espanhol, a minha. Poderia haver outra, e talvez uma ou duas em Português. Devemos admitir, contudo, que o Espanhol e o Português não têm o mesmo volume de traduções do Chinês de importância ou qualidade similar. Isso é lamentável: a era moderna descobriu outros classicismos além do da cultura Greco-Romana, e um deles é da China e do Japão.

O ensaio de Weinberger me trouxe de volta à minha tradução. Provavelmente a maior dificuldade para qualquer tradutor de um poema Chinês é o temperamento único do idioma e da escrita. A maioria dos poemas no Shi-jing — a mais antiga coleção de poesia Chinesa — é escrita em linhas de quatro sílabas, que são quatro caracteres / palavras. Por exemplo, a tradução fonética da primeira linha de um pequeno poema erótico no Shi-jing é composta dessas quatro monossílabas: Xing nu qi shu. A tradução literal é: Doce garota como bela. É possível transformar esta frase em uma linha de uma música: ¡Qué linda la dulce niña! ou Como é bela a doce garota! Cinco palavras e oito sílabas, o dobro do original. Artur Waley quis resolver esse problema ao fazer cada monossílaba Chinesa corresponder a um acento tônico na linha do Inglês. O resultado foi linhas em Inglês que eram bastante longas, mas com o mesmo número de acentos tônicos do original em Chinês. Este método, além de ser bastante imperfeito, não é aplicável no Espanhol: em nossa língua, as palavras geralmente tem mais sílabas do que o Inglês e menos acentos tônicos. O equivalente do nosso verso hendecassílabo é o pentâmetro iâmbico no Inglês. Nossa linha tem ou três acentos (na quarta sílaba, na sétima ou oitava, e na décima) ou em somente duas (na sexta e na décima). Em contraste, a linha em Inglês tem cinco acentos ou batidas rítmicas. Além disso, no Inglês o número de sílabas pode variar: no Espanhol é fixo. Quanto a rima, o Espanhol tem mais sorte que o Inglês: não só temos mais consoantes, mas também podemos utilizar uma rica assonância. A grande vantagem do assonante é que a rima se torna um eco distante, que nunca repete exatamente o final da linha anterior. Notarei, finalmente, uma pequena similaridade entre as versificações em Chinês e Espanhol: na poesia Chinesa somente os pares de versos são rimados, exatamente como nossos romances e poemas assoantes tradicionais.

O primeiro a tentar fazer poemas em Inglês dos originais Chineses foi Ezra Pound. Todos nós que desde então traduzimos poesia Chinesa e Japonesa, além de gratidão, temos uma dívida. Eu nunca fui persuadido pela teoria de tradução do Chinês de Pound, e em outros textos eu tentei explicar meus motivos. Não importa: apesar de suas teorias parecerem pouco confiáveis, sua prática não só me convenceu mas, literalmente, me encantou. Pound não tentou encontrar rimas ou equivalentes métricos: partindo dos ideogramas-imagens do original, ele escreveu poemas em Inglês em verso livre. Esses poemas tinham (e ainda têm) um frescor poético enorme; ao mesmo tempo nos permitem um vislumbre de outra civilização, que é bem diferente da tradição Ocidental Greco-Romana.

Os poemas de Cathay12 (1915) foram escritos numa linguagem energética e em versos irregulares que grosseiramente chamei de livre. Na verdade, apesar de não terem métrica fixa, cada um é uma unidade verbal. Nada poderia ser mais distante da prosa cortada em pequenas linhas que hoje passa como verso livre. Os poemas de Pound correspondem aos originais? Uma pergunta inútil: Pound inventou, como Eliot disse, a poesia Chinesa em Inglês. Os pontos de partida foram alguns poemas Chineses, renascidos e transformados por um grande poeta; o resultado foi outros poemas. Outros: os mesmos. Com aquele pequeno conjunto de traduções, Pound, mais amplamente, começou a poesia moderna em Inglês. Mas, ao mesmo tempo, ele também começou algo único: a tradição moderna de poesia Chinesa clássica na consciência poética do Oeste.

O empenho de Pound foi recompensado e, depois de Cathay, muitos outros seguiram vários caminhos. Estou pensando acima de tudo em Arthur Waley. As traduções de poesia Chinesa e Japonesa para o Inglês foram tão volumosas e diversas que em si formam um capítulo da poesia moderna do idioma. Não encontro nada similar no Francês, apesar de haver traduções notórias, como as de Claude Roy ou François Cheng. Certamente devemos a Claudel, Segalen e Saint-John Perse visões poéticas da China — mas não traduções memoráveis. É uma pena. No Espanhol, essa lacuna nos empobreceu.

Nas minhas próprias tentativas isoladas eu segui, primeiramente, os exemplos de Pound e, mais do que qualquer outro, Waley — de um talento dúctil, mas menos intenso e poderoso. Depois, pouco a pouco, encontrei meu próprio caminho. No começo usei o verso livre; depois tentei me ajustar a uma regra fixa, sem, é claro, tentar reproduzir a métrica Chinesa. No geral, me esforcei para reter o número de linhas de cada poema, não desprezar assonâncias e respeitar, tanto quanto possível, o paralelismo. Esse último elemento é central para a poesia Chinesa, mas nem mesmo Pound ou Waley deram-no a atenção merecida. Nem os outros tradutores do Inglês. É uma omissão séria não somente porque o paralelismo é o núcleo dos melhores poemas Chineses mas também porque corresponde à visão do universo dos poetas e filósofos Chineses: o yin e o yang. A unidade que se parte em dualidade para reunir e para dividir-se novamente. Eu adicionaria que o paralelismo liga, por mais ligeiramente, nossa própria poesia indígena Mexicana com a da China.

Na era Han eles passaram de uma linha de quatro sílabas para uma de cinco ou sete (gu shi). Estes poemas foram compostos em um estrito contraponto tonal. (O idioma clássico tem quatro tons.) O número de linhas é indefinido, e somente os pares de linha rimam. Durante o período Tang a versificação se tornou mais estrita e eles escreviam poemas de oito ou quatro linhas (lushi e jueju, respectivamente). As linhas desses poemas são, como no estilo anterior, compostas de cinco ou sete sílabas; a mesma rima é usada através do poema. As outras regras se aplicam ao paralelismo (as quatro linhas no centro do poema devem formar dois pares antitéticos) e à estrutura tonal. Este último lembra, em certos aspectos, a versificação quantitativa clássica — apesar do ritmo não vir da combinação de sílabas curtas e longas, mas da alternação dos tons. Todo poema Chinês oferece um contraponto que não pode ser reproduzido em nenhuma linguagem Indo-Europeia. Pouparei o leitor da tabela das várias combinações (duas para as de cinco sílabas e duas para as de sete). Há outras formas: o ci (tz’u), poesia escrita para acompanhar tons musicais pré-existentes e com linhas de comprimento desuniforme; verso dramático (ju) e o lírico-dramático (sanju).

O poema de Wang Wei foi escrito em quatro linhas de cinco sílabas cada (*jueju*); a segunda linha rima com a quarta. Para transmitir a informação do original, enquanto tentando recriar o poema em Espanhol, eu decidi usar uma linha de nove sílabas. Escolhi essa métrica não somente pela sua maior amplitude mas também porque me pareceu ser, sem realmente ser, um hendecassílabo truncado. É a menos tradicional de nossas métricas e aparece raramente na poesia em Espanhol, exceto entre os “modernistas” — acima de todos, Rubén Darfo — que a usam bastante. Também decidi usar a rima assoante mas, diferentemente do original em Chinês, rimei todas as quatro linhas. O poema é dividido em duas partes. A primeira alude à solidão da floresta, e predominam sensações sonoras ao invés de visuais (ninguém é visto, somente vozes são ouvidas). A segunda se refere à aparição de luz numa abertura em uma floresta e é composta de sensações visuais silenciosas: a luz atravessa os galhos, cai no musgo, e, em uma maneira de falar, ascende novamente. Atento a essa divisão sensual e espiritual, eu dividi o poema em dois pares: a primeira linha rima com a segunda e a terceira rima com a quarta. Deixei as duas primeiras linhas da minha versão anterior intactas, mas mudei radicalmente as terceira e quarta linhas:

No se ve gente en este monte,
sólo se oyen, lejos, voces.
Bosque profundo. Luz poniente:
alumbra el musgo y, verde, asciende.

Não se vê gente neste monte,
só se ouve, de longe, vozes.
Bosque profundo. Luz poente:
ilumina o musgo e, verde, ascende.

As duas primeiras linhas não precisam de explicação. Parece-me que consegui transmitir a informação enquanto mantendo a impessoalidade do original: o eu é implícito. A terceira linha, segundo François Cheng, significa literalmente: sombra retornando — penetrar — profundo — floresta. Cheng ressalta que sombra retornando faz alusão ao sol do oeste. James J. Y. Liu traduz em termos parecidos mas, com grande propriedade, diz sol refletido ao invés de sombra retornando. Em sua versão literária, Liu escreve: O sol refletido penetra na floresta profunda. Cheng tem Ombres retournent dans la forêt profonde. O leitor, por meio de uma nota no fundo da página, aprende que ombres retournent — um arquétipo bastante forçado — significa raios do sol poente. E por que sombras e não luz ou brilho ou algo similar? Hesitei muito ao traduzir essa linha. Primeiro escrevi: Cruza el folar el sol poniente. (Cruza a folhagem o sol poente.) Mas o poeta não fala de folhagem, mas da floresta. Então tentei: Traspassa el bosque el sol poniente. (Atravessa o bosque o sol poente.) Um pouco melhor, mas talvez energético demais, ativo demais. Depois tentei omitir o verbo, já que o Espanhol permite a elipse. Os dois blocos sintáticos (bosque profundo / luz poniente; bosque profundo / luz poente) preservam a impersonalidade do original e, ao mesmo tempo, fazem alusão ao raio de sol silencioso atravessando a vegetação.

Segundo Cheng, a última linha significa: ainda — brilhar — sobre — verde — musgo. Liu diz: novamente — brilha — verde — musgo — em cima. Ou seja: o reflexo é verde. Em sua versão literal, Weinberger inclui todas as possibilidades: retornar / novamente — brilhar / refletir — verde / azul / preto — musgo / líquen — acima / em (cima de) / em cima. Em dois pontos minha tradução diverge das outras. Primeiro: a luz poente ilumina o musgo — ao invés de refletir ou brilhar sobre — porque o verbo iluminar contem ambos o aspecto físico do fenômeno (brilhar, luz, claridade, brilho) e o espiritual (iluminar o entendimento). Segundo: eu digo que o reflexo verde ascende ou sobe porque quero acentuar a característica espiritual da cena. A luz do sol poente faz referência ao ponto do horizonte comandado pelo Amida Buddha. Sem querer conter o jogo expansivo das analogias, poderíamos dizer que o sol poente é a luz espiritual do paraíso do Oeste, o ponto cardinal do Amida Buddha; a solitude da montanha e da floresta é este mundo em que não há ninguém de verdade, apesar de ouvirmos ecos de vozes; e a clareira na floresta iluminada pelo raio de sol silencioso é aquele que medita e contempla.

— OCTAVIO PAZ, 1986


Posfácio do Autor

Logo depois da publicação deste ensaio, juntamente com o posfácio de Paz, na revista Mexicana Vuelta, os editores receberam uma carta furiosa de um professor do Colégio de México, acusando-me de nada menos de “crimes contra a poesia Chinesa”. Dentre os atos criminosos, estava a “curiosa negligencia” à “cédula de Boodberg”.

A referência críptica, depois descobri, era a Cédulas de um Workshop de Berkeley sobre Filologia Asiática13, uma série de textos publicados privadamente por Peter A. Boodberg em 1954 e 1955. Boodberg fizera parte da nobreza Russa, foi exilado para Manchuria e depois para os Estados Unidos após a revolução, e se tornou um estimado e excêntrico professor de Chinês na University of California. (Gary Snyder foi um de seus estudantes.) Ele morreu em 1972.

O ensaio relevante, “Filologia na Terra-da-Tradução”14, tem 1½ páginas. Ele começa:

Leituras recentes de traduções de quadras da Dinastia Tang nos deixaram imersos em profunda tristeza à face da falta de argúcia filológica, da superficialidade crítica, e do desrespeito arrogante exibidos por escritores supostamente competentes aparentemente incapazes de resistir às tentações da publicação precoce.

Boodberg reclama que “todos os tradutores que conheço (incluindo, pasmem, autores Chineses e Japoneses contemporâneos) revelam suas concepções equivocadas do todo o poema” ao não reconhecer que shang, normalmente traduzido como acima / em (cima de) / em cima, também pode significar, quando pronunciado num tom diferente, subir ou ascender.

Hoje, este uso é raro, e era mais comum na época de Wang Wei. Mas para aqueles que duvidam das traduções feitas por poetas ao invés de acadêmicos, devemos lembrar que Octavio Paz, em sua última versão do poema, aparentemente intuitivamente adivinhou essa leitura e traduziu a palavra como asciende.

Boodberg termina essa “cédula” com sua própria versão do poema, que ele diz ser “ainda inadequada, mas filologicamente correta (com devida atenção aos tons grafo-sintáticos e encavalgamento)”:

Deer Wattle (Hermitage)

The empty mountain: to see no men,
Barely earminded of men talking — countertones
And antistrophic lights-and-shadows incoming deeper the deep-treed grove
Once more to glowlight the blue-green mosses — going up
(The empty mountain . . .)

Cerca dos Cervos (Eremitério)

A montanha vazia: não ver homens,
Mal ouviente de homens falando — contratons
E antistróficas luzes-e-sombras adentrando profundo no bosque denso de árvores
Novamente a brilharluz os musgos azuis-verdes — subindo
(A montanha vazia…)

Para mim, isso parece Gerard Manley Hopkins com LSD, e sou grato ao Professor Furioso por me encaminhar em busca disso, o mais estranho dos Weis15.

[1986]

 
 

Mais Maneiras

16

Desde a escrita de 19 Maneiras em 1979, muitas outras traduções foram publicadas. O que segue é um apanhado, mantendo a ordem cronológica, das versões mais recentes. Vale a pena notar que quase todos — se não todos — os tradutores de língua Inglesa estavam familiarizados com o livro, originalmente publicado em 1987. Suas traduções são, como todas re-traduções, críticas implícitas às versões anteriores do poema (o que acharam que faltava, o que acharam que poderiam fazer melhor) e o resultado do desafio de produzir algo diferente.

[2016]



20.

(Algumas traduções Alemãs)

Günther Debon (1921–2005) foi um pesquisador importante, que muitos consideram ser o maior dos tradutores Alemães de Chinês e Japonês classico. Uma versão rimada em linguagem poética:

Im Hirschhagen

Am öden Berg  — kein Mensch ist rings zu sehn.
Zuweilen hört man Menschenstimmen bloß.
Ein Abendstrahl dringt in den tiefen Wald.
Da liegt er leuchtend auf dem grünen Moos.

No Parque dos Cervos

Na montanha deserta — ninguém é visto por perto.
Às vezes só se ouve vozes humanas.
Um raio noturno penetra a floresta profunda.
E jaz brilhando sobre o musgo verde.

–GÜNTHER DEBON, 1988
(Debon, Mein Haus liegt menschenfern doch nah den Dingen. Dreitausend Jahre chinesischer Poesie
[Minha Casa Fica Longe Das Pessoas, Mas Perto Das Coisas: 3000 Anos de Poesia Chinesa])

Outra versão rimada que inventa um paralelo de estilo Chinês (olho / ouvido) que não está no original:

Hirschgehege

Bergeinsamkeit, so weit das Auge reicht,
es hört allein das Ohr noch Menschen sprechen.
Den hohen Wald durchdringen Abendstrahlen,
die sich im dunklen Grün des Mooses brechen.

Clausura dos Cervos

Solidão da montanha, até onde a vista alcança,
Somente o ouvido escuta pessoas falando.
A alta floresta é penetrada por raios noturnos,
que refratam no verde escuro do musgo

 — VOLKER KLÖPSCH, 1991
( Klöpsch, Der seidene Faden. Gedichte der Tang)

E esta, do único livro de poesias de Wang Wei disponível em Inglês. Talvez mais interessante por ser a única tradução em que não há cervos.

Am Wildgehege

Leere Berge  — kein Mensch ist zu sehen,
Und dennoch hört man Menschenstimmen widerhallen.
Der Abendsonne Widerschein dringt in den tiefen Wald,
Blitzt abermals zurückgeworfen auf dem grünen Moos.

Na Clausura de Jogos

Montanhas vazias — ninguém à vista,
E ainda assim se ouvem vozes humanas.
O reflexo do sol da tarde penetra na floresta profunda,
Brilhos refletiram novamente no musgo verde.

 — STEPHAN SCHUHMACHER, 2009
(Wang Wei, Jenseits der weißen Wolken)

21.

 

Clos aux Cerfs

Montagne vide. Plus personne en vue.
Seul échos des voix résonnant au loin.
Rayon du couchant dans le bois profond:
Sur les mousses un ultime éclat: vert.

Clausura dos Cervos

Montanha vazia. Sem outra pessoa à vista.
Somente os ecos de vozes ressonantes à distância.
Raios do por do sol retornam ao bosque profundo:
Sobre os musgos um último brilho: verde.

 — FRANÇOIS CHENG, 1990
(Cheng, Entre Source et Nuage: La poésie chinoise réinventéee)

 

Le Clos-aux-Cerfs

Montagne déserte. Plus personne en vue
Seuls résonnent quelques échos de voix
Un rayon du couchant pénétrant le fond
Du bois: ultime éclat de la mousse, vert

A Clausura-dos-Cervos

Montanha deserta. Sem outra pessoa à vista
Somente ressoam alguns ecos de vozes
Um raio do por do sol penetra o fundo
Do bosque: último brilho do musgo, verde

 — FRANÇOIS CHENG, 1996
(Cheng, L’écriture poétique chinoise [edição revisada])

Cheng refez sua tradução duas vezes desde a primeira versão, de 1977, a primeira versão fica repetida aqui para facilidade de compreensão:

Clos aux cerfs

Montagne déserte. Personne n’est en vue.
Seuls, les échos des voix résonnent, au loin.
Ombres retournent dans la forêt profonde:
Dernier éclat de la mousse, vert.

Clausura dos cervos

Montanha deserta. Pessoa nenhuma à vista.
Somente, os ecos de vozes ressonantes, à distância.
Sombras retornam à floresta profunda:
Último brilho do musgo, verde.

 — FRANÇOIS CHENG, 1977
(Cheng, L’écriture poétique chinoise)

Linha 1: Cheng muda o romântico montanha deserta para o budista montanha vazia e depois volta ao romântico montanha deserta. O budista Ninguém à vista se torna o romântico Sem outra pessoa à vista, que implica, como uma pintura de Caspar David Friedrich, um observador da paisagem.

Linha 2: Ele tira as vírgulas hesitantes da versão de 1977. Depois tira o à distância (que não está no Chinês) de 1977 e 1990, mas adiciona alguns ecos de vozes, evocando, sem dizer, a distância.

Linha 3: Mesmo tendo ressaltado que sombras retornando é um arquétipo que significa raios do por do sol, ele abandona as sombras pelos raios. O forêt agora é o menos ameaçador bois. Na versão de 1996, ele encavalga a linha, coisa que a poesia clássica Chinesa nunca faz e poucos tradutores fazem. (A exceção em Inglês é David Hinton.)

Linha 4: Ele vai e volta entre último brilho do musgo e último brilho no musgo, apesar do Chinês ser bem claro quando ao sol brilhar sobre o musgo. Seja ultime ou dernier, ele ainda insiste no último brilho, que não é explícito no original. O verde misteriosamente isolado permanece, apesar de a maioria da pontuação ter sido tirada.

Dentre várias outras traduções Francesas, essa é notoriamente diferente:

L’enclos du cerf

Dans la montagne vide l’homme est invisible,
Où la voix seule vient en échos.
Les ombres du couchant s’inversent dans la forêt —
Sur la mousse renaît la lumière . . .

A clausura dos cervos

Na montanha vazia o homem é invisível,
Onde a voz só vem em ecos
As sombras do por do sol se invertem na floresta —
Sobre o musgo renasce a luz . . .

— PATRICK CARRÉ, 1989
(Carré, Les Saisons bleues: L’oeuvre de Wang Wei)

Carré trás de volta as reticências hesitantes de Bynner e Kiang e adiciona um travessão para fragmentar mais ainda o poema. O Homem Invisível é, claro, invensão sua, e ele dá uma interpretação explicitamente alegórica à última linha. A poesia Chinesa sempre diz sem dizer, e é improvável que Wang Wei ou qualquer outro poeta Chinês faria a luz renascer.

22.

 

Deer Park

Nobody in sight on the empty mountain
but human voices are heard far off.
Low sun slips deep in the forest
and lights the green hanging moss.

Parque dos Cervos

Ninguém à vista na montanha vazia
mas vozes humanas são ouvidas à distância.
Sol baixo deslisa profundo na floresta
e ilumina o musgo verde pendurado.

— TONY BARNSTONE, WILLIS BARNSTONE & XU HAIXIN, 1991
(Wang Wei, Laughing Lost in the Mountains)

Talvez inspirando-se em Kenneth Rexroth, os três tradutores adicionam distância. Sem dúvida inspirando-se em Rexroth, seus sol também deslisa pela floresta. Snyder imaginou o musgo que cresce nas cascas das árvores. Aqui temos o que parece ser um tipo de musgo Espanhol, que não é um musgo mas sim uma planta no Novo Mundo que não existia na China.

23.

 

Deer Park

Empty hills, no man in sight —
Just echoes of the voice of men.
In the deep wood reflected light
Shines on the blue-green moss again.

Parque dos Cervos

Colinas vazias, nenhum homem à vista —
Só ecos da voz de homens.
Na mata profunda luz refletida
Brilha o musgo azul-verde novamente.

 — VIKRAM SETH, 1992
(Seth, Three Chinese Poets)

O conhecido escritor Indiano Vikram Seth estudou Chinês clássico na faculdade. Ele acredita que a rima e métrica da poesia chinesa deve ser almejada na tradução para o Inglês: “Para mim, o prazer da poesia não está tanto em transcender ou escapar das supostas correntes do artifício e das limitações, quando em usá-las para aumentar o poder do que está sendo dito.”

Diferente de outras traduções formalistas, a versão de Seth consegue evitar estufar o poema para preencher a métrica e a rima. Mas algo na rima ABAB faz o poema parecer são só trivial, mas incompleto, como se fosse a primeira estrofe de um poema maior. O desfecho que a rima proporciona tem o efeito oposto. O voz de homens, ao invés do específico vozes de homens ou o abstrato voz do homem, é intrigante.



24.

 

Deer Enclosure

On the empty mountain, seeing no one,
Only hearing the echoes of someone’s voice;
Returning light enters the deep forest,
Again shining upon the green moss.

Clausura dos Cervos

Na montanha vazia, vendo ninguém,
Só ouvindo os ecos da voz de alguém;
Luz retornante entra na floresta profunda,
Novamente iluminando sobre o musgo verde.

—RICHARD W. BODMAN & VICTOR MAIR, 1994
(Mair, The Columbia Anthology of Traditional Chinese Literature)

Esta tradução de dois sinologistas brinca com uma cominação de gerúndios e particípios presentes (ortograficamente idênticos no inglês, ambos terminando com -ing.). O primeiro par de linhas, apesar de talvez passivo demais, resolve bem o problema da falta de pronomes pessoais no Chinês, e o ninguém/alguém enfatiza o paralelismo do original. Mas, na segunda metade, passa do ponto. A combinação da inversão Novamente brilhando — como Snyder fez — com o uso de sobre ao invés de em lembra mais pré-modernismo do que a versão de Snyder. Tradução sempre depende das palavras menores.

25.

 

Deer Fence

No one is seen in deserted hills,
only the echoes of speech are heard.
Sunlight cast back comes deep in the woods
and shines once again upon the green moss.

Cerca dos Cervos

Ninguém é visto em colinas desertas,
só os ecos de fala são ouvidos.
Retorno da luz do sol entra profundo na mata
e brilha novamente sobre o musgo verde.

 — STEPHEN OWEN, 1996
(Owen, An Anthology of Chinese Literature: Beginnings to 1911)

Stephen Owen é o principal estudioso americano de poesia Chinesa clássica, um tradutor inimaginavelmente prolífico e autor de estudos críticos enciclopédicos. (O poema aqui aparece numa antologia de poesia e prosa de 1200 páginas, toda traduzida por Owen.) Peculiarmente, ele chama a sequência de 20 poemas de “Wang Stream Collection (Coleção do Riacho de Wang?)”, apesar de, nos pergaminhos cópias do original de Wang, ser claramente um rio e não um riacho. Igualmente contrario, ele escreve que “as quadras de Wang são difíceis de traduzir, não porque apresentam problemas linguísticos, mas por serem tão diretas e simples.”

Na linha 1, pela simples adição de um artigo definido — as colinas desertas — Owen poderia ter evitado sua generalização banal. (Artigos, inesperadamente, podem ser a coisa mais difícil de traduzir em poesias.) Na linha 3, ele usa a construção desajeitada retorno da luz do sol, dizendo que “refere-se à luz do sol do final da tarde que, estando baixo nos céus, entre por baixo de obstruções superiores e parece lançar raios de volta ao leste”. Sem contar o céus no plural e o obstruções superiores que, numa floresta, também são chamadas de galhos, isto não parece fazer sentido algum. Os raios de um sol poente vão obviamente no sentido leste. Os raios “voltarem” ao leste e ao sol nascente é uma extrapolação do tempo cíclico muito maior do que o retorno da luz do sol ao chão da floresta. É difícil ler o novamente sobre (once again upon) da linha 4 sem gaguejar.

26.

 

Deer Park

No sign of men on the empty mountain,
only faint echoes from below.

Refracted light enters the forest,
shining through green moss above.

Parque dos Cervos

Sem sinal de homens na montanha vazia,
só fracos ecos de baixo

Luz refratada entra na floresta,
iluminando através do musgo verde acima.

 — SAM HAMILL, 2000
(Hamill, Crossing the Yellow River)

Hamill, poeta com algum conhecimento do Chinês, segue Rexroth ao reimaginar a cena. Os ecos agora são fracos e vem de baixo, nenhum dos quais estava no Chinês. Existe uma diferença entre não ver pessoas e sem sinal de homens. Será mesmo uma natureza intocada? Julgando pela (pelas cópias da) pintura no pergaminho de Wang, e o fato de os cervos estarem enclausurados, não é.

Hamill é o primeiro no Inglês a usar refratado para a luz — Klöpsch usa brechen — que é lindo, mas não indica que é o por do sol (e a palavra, claro, é produto da ciência ocidental muito posterior a Wang). Como Snyder, ele coloca o musgo acima, mas fazendo a luz iluminando através, ele encontra o mesmo problema que Barnstones e Xu: musgo errado.

Tirando Debon em Alemão, Hamill é o primeiro a empregar a forma do original, conhecido como jueju (chüeh-chü), cuja tradução é estranhamente linhas quebradas. (Nem o formalista Seth segue a forma) Um jueju, que se tornou popular na Dinastia Tang, é um poema de quatro linha com cinco caracteres por linha, formado por dois pares. Os pares normalmente, mas não sempre, apresentam algum tipo de paralelismo (neste poema, não ver pessoas / ouvir pessoas, e as palavras que significam retorno no começo das linhas 3 e 4). Sendo formado por dois pares separados, cada um uma unidade sintática, não é exatamente uma quadra no sentido Ocidental — quadras Odicentais tem muito mais flexibilidade. Ainda assim, a maioria dos tradutores apresenta poemas jueju como quadras.

27.

 

Deer Park

The mountain is empty, no man can be seen.
but the echo of human sounds is heard.
Returning sunlight, entering the deep forest,
shines again on green moss, above.

Parque dos Cervos

A montanha está vazia, nenhum homem pode ser visto.
mas o eco de sons humanos é ouvido.
Returning sunlight, entering the deep forest,
shines again on green moss, above.

 — ARTHUR SZE, 2001
(Sze, The Silk Dragon)

O poeta nipo-americano Arthur Sze seque Snyder ao traduzir ambos sentidos de xiang (Snyder: sons e ecos humanos, Sze: o eco de sons humanos). E, como Snyder, coloca o musgo acima.

Num ensaio interessante, “The Wang River Sequence, A Prospectus (A Sequência Do Rio De Wang, Um Prospecto)” presente em Civil Disobediences, editado por Anne Waldman & Lisa Birman), Sze conecta este poema a outro mais à frente na sequência, “Arvoredo de Bambus”, que ele traduz dessa maneira:

I sit alone in the secluded bamboo grove
and play the zither and whistle along.
In the deep forest no one knows,
the bright moon comes to shine on me.

Sento sozinho no isolado arvoredo de bambus
e toco a cítara e assobio junto.
Na floresta profunda ninguém sabe,
a lua brilhante vem me iluminar.

O luar entrando na floresta para iluminar o poeta é gêmeo da luz do por do sol que ilumina novamente o musgo. “Neste sentido,” Sze escreve, “o musgo verde pode ser a mente do poeta.”

28.

 

Deer Park

No one seen. In empty mountains,
hints of drifting voice, no more.
Entering these deep woods, late sun-
light ablaze on green moss, rising.

Parque dos Cervos

Ninguém visto. Em montanhas vazias
sugestões de vozes flutuando, mais nada.
Entering these deep woods, tardia luz do
sol acende no musgo verde, ascendendo

— DAVID HINTON, 2002
(Hinton, Mountain Home)

 

Deer Park

No one seen. Among empty mountains,
hints of drifting voice, faint, no more.
Entering these deep woods, late sunlight
flares on green moss again, and rises.

Parque dos Cervos

Ninguém visto. Dentre montanhas vazias
sugestões de vozes flutuando, fracas, mais nada.
Entrando nestas matas profundas, luz do sol tardia
ilumina no musgo verde novamente, e ascende.

— DAVID HINTON, 2006
(Hinton, The Selected Poems of Wang Wei)

Hinton é, depois de Burton Watson, o próximo na lineagem de sinologistas literários — ou seja, estudiosos cujos trabalhos trazem algo à literatura da lingua Inglesa, e não são meramente uma janela para o original. Uma de suas inovações é o encavalgamento das linhas — que o Chinês clássico nunca faz — como uma maneira de dar a sensação de densidade dos poemas clássicos. Ele consistentemente traduz poemas jueju para pares, apesar de as vezes encavalgar entre elas.

Depois de traduzir o poema para uma antologia de poemas chineses sobre montanhas, ele o revisita alguns anos depois para uma coleção de Wang Wei. (Com seu infinito número de combinações possíveis, uma tradução nunca está terminada.) Estas versões foram escritas com bastante consciência das versões prévias e, curiosamente, Hinton pegou algumas coisas de uma tradução abismal, Chang &Walmsley. Eles, sem motivo, inverteram a ordem dos pares; Hinton transpõe as imagens na primeira linha. (Traduções de poemas, às vezes, não sequem a ordem das imagens. Isso não vai contra alguma regra rígida, mas dificilmente é bem feito.) Começando com o misterioso e dramático Ninguém visto, quase se torna um poema diferente. Depois, Hinton transforma o banal Ainda assim vozes fracas flutuam no ar de C & W no quase mimético sugestões de vozes flutuando, fracas, mais nada. Na linha 4, a luz, supostamente, ascende enquanto o sol se põe.

Numa extensa análise Chan (Zen) do poema, em sua introdução de Poemas Selecionados, Hinton escreve que a poesia Chinesa m si, com sua falta de “preposições e conjunções, tempos verbais, e às vezes sujeitos” encorpora wu, o vazio do não-existir. “Você preenche mentalmente o vazio gramatical, mas ainda assim se mantém o vazio, o que significa participar do silêncio de uma mente vazia, o limite de sua forma real, sem palavras.”

Além disso, este poema “começa com a percepção sem um percebedor (o sujeito ausente), o que é aumentado pelo fato de ser uma percepção reduzida ao limite do vazio: ao invés de pessoas serem vistas, o que é visto é a falta de pessoas; e, na segunda linha, somente a mais fraca sugestão de vozes é ouvida, virtualmente a falta de vozes.”

Uma tradução de um poema para, por exemplo, o Inglês é quase um palimpsesto. Não é um poema em Inglês, já que vai sempre ser lido como uma tradução: um texto escrito por cima de outro texto. Mas ele é apreciado (ou não desdenhado) das mesmas maneiras que reagimos a um poema original: encantados com a delicadeza e habilidade na manipulação da linguagem, ou desapontados pela rudimentaridade.

29.

 

Deer Park

Empty mountain, none to be seen.
Listen close and all you’ll hear’s
the birdsong sound of human language.
Sun’s come into this deep grove,
beginning again, it writes on gray-green lichen, upon stone.

Parque dos Cervos

Montanha vazia, nenhum a se ver.
Ouça de perto e tudo que ouve é
o canto dos pássaros da linguagem humana.
Sol entra nesse bosque profundo,
começando novamente, escreve no líquen cinza-verde, sobre pedra.

— J. P. SEATON, 2006
(Seaton, The Shambhala Anthology of Chinese Poetry)

O sinologista J. O. Seaton, que anteriormente traduziu o poema para versão em Inglês de Chinese Poetic Writings de François Cheng, retorna com uma versão estranhamente expandida. Algumas das adições são explicadas em um ensaio que escreveu, “Once More on the Empty Mountain (Novamente na Montanha Vazia),” incluído em The Poem Behind the Poem: Translating Asian Poetry, editado por Frank Stweart (2004). Assim, o canto dos pássaros da linguagem humana, ao invés da única palavra som / eco, é justificado porque a palavra Chinesa combina os caracteres de tom musical -- que Seaton diz que seria um homem cantando -- e região rural. Ele escreve: “Com um pouco de humildade, humanos podem ouvir suas próprias línguas no nível do cando dos pássaros: como simples notas na complexa música do ar livre.” A segunda linha expande o simples ouça de Snyder, mas Ouça de perto e tudo que ouve é é uma demonstração de que, às vezes, “discurso realista” não é uma melhoria sobre a tão difamada “linguagem literária”.

Na enigmática quarta linha, o itálico de começando novamente, segundo o ensaio de Seaton, se refere ao Hexagrama 24 do I Ching, chamado Fu (Retorno), que também é o primeiro caractere da linha. Fu é uma palavra comum, e é difícil dizer se Wang estava se referindo ao Hexagrama. Seria a ideia que o itálico quer indicar que isto é o que o sol está escrevendo no líquen ou pedra (ou ambos)? Por que está escrevendo no líquen, sobre pedra? De qualquer forma, a falácia patética é bizarra: arriscando contrariar Derida, nem tudo é escrita.

Posfácio para a nova edição

Em 1989, dois anos depois da publicação de 19 Maneiras nos Estados Unidos por uma editora pequena, eu recebi um livro do México: Para leer Nineteen Ways of Looking at Wang Wei [Como ler 19 Maneiras . . .], escrito por ninguém menos que o Professor Furioso, e publicado independentemente e a seus próprios custos.

O livro do Professor, muito maior que o meu, é uma análise do meu texto, quase linha-por-linha, repleto de denúncias violentas e assassinatos morais. O momento mais divertido ocorre quando ele deve aceitar que concorda comigo em um pequeno ponto: “Quase ninguém está total e perpetuamente enganado, e aqui, pelo menos, o Sr. Weinberer acerta em cheio.” O livro termina com a notícia de que ele está trabalhando em uma análise de outro ensaio meu sobre poesia Chinesa — que, infelizmente, parece que ainda não o concluiu.

Alguns anos depois, depois de uma leitura que fiz na Cidade do México, um pequeno homem de meia-idade com a expressão de um rato em um incêndio no celeiro veio até mim. “Olá, eu sou o Professor Furioso,” ele disse, referindo a si com meu epíteto ao invés do próprio nome, “e queria lhe dar isso.” Ele me entregou um envelope pardo.

“O que é isso? Outro ataque a mim?”

“O que mais seria? . . . Mas queria agradecer-te. Pediram-me para apresentar esta palestra em uma conferência no Havaí. I had a wonderful time, e tudo graças a você!” Antes de eu poder responder, ele havia desaparecido na multidão.

Naturalmente, eu não via a hora de ler o texto. It turned out to be um estudo crítico, escrito em Inglês, de algumas traduções de um poema do Chinês clássico para o Chinês moderno. Apesar de ser um tema sobre o qual eu nunca escrevi — na verdade, sobre o qual não sei nada — o Professor periodicamente interrompe sua discussão com as minhas supostas reações: “Isso incorpora vários aspectos queridos a Weinberger” ou “Não é difícil imaginar os gritos de escândalo e alarme pela parte de Weinberger e seus colegas.” (Uma força inimiga, agora me tornei um grupo.)

Certamente o Professor Furioso é a forma mais pura do crítico literário: um homem que devota sua vida a demolir o trabalho de um escritor do qual ninguém ouviu falar. Claramente ele é o único leitor que realmente precisa de mim. Mas será que, deitado nas praias do Havaí, ele às vezes sente um momento de pânico: a ideia de que eu, no inverno congelante de Nova Iorque, possa, só para contrariá-lo, parar de digitar?

[2016]

 




Um Jeitinho Brasileiro

17

Acho que seria interessante considerar uma tradução para o português. Descobri três enquanto lia “Wang Wei e o mistério do musgo verde azulado”18 que, por si só, é uma leitura muito interessante. Gostaria de destacar a do poeta Haroldo de Campos (1929–2003), publicada originalmente em 1988 no jornal Folha de São Paulo, hoje disponível na antologia “Escrito sobre Jade”.

 

O Refúgio dos Cervos

montanha vazia não se vê ninguém

ouvir só se ouve um alguém de ecos

raios do poente filtram na espessura

um reflexo ainda luz no musgo verde

— HAROLDO DE CAMPOS, 1988
(Campos, Escrito sobre Jade)

 

Haroldo de Campos é bastante conhecido como exponente da poesia concreta. No contexto de suas obras, a impactante escolha de dividir verticalmente o poema parece até contida, quase de um minimalismo Zen. A divisão pode ser uma alusão ao paralelismo. Mas também gosto de pensar no branco da folha representando os raios do poente adentrando a espessura da mata. Também adoro o brasileiríssimo ouvir só se ouve.

Visualmente, a tradução vai em direção oposta ao bloco sólido e imóvel de Wang Wei. A divisão vertical cria frases bastante curtas que, combinadas com a expansão do espaçamento entre as linhas, estabelecem um ritmo na mente do leitor — quase se consegue cantar o poema, enquanto os olhos dançam de um lado ao outro.

As liberdades que o poeta toma podem parecer indicativas de uma falta de respeito pelo original, mas “Escrito em Jade” esclarece este ponto. No livro, Haroldo de Campos reúne suas traduções — ou, como prefere, “transcriações” ou “reimaginações” — de diversos poemas Chineses; dos quais, quatro são de Wang Wei. Em seu prefácio, ele diz que suas técnicas “seguem e radicalizam a lição paradigmática de Ezra Pound (Cathay, 1915)”.

Basicamente, procuro compensar os aspectos caligráfico-visuais de uma poesia monossilábica, escrita por meio de ideogramas, adotando técnicas de espacialização gráfica da poesia moderna para dispor o texto no branco da página e usando, quase exclusivamente, a composição em caixa-baixa, dispensada a pontuação habitual (vírgulas e pontos finais). No plano fônico e prosódico, não sendo possível reproduzir os módulos sonoros de uma língua tonal e, consequentemente, os esquemas de rima do original, compensar esses aspectos através da extrema concisão (característica do chinês clássico, língua isolante) e do minucioso trabalho de orquestração das figuras fônicas e rítmico-sintáticas, levando em conta, nesse sentido, a lição da poética jakobsoniana. Exploro, ainda, sempre que semanticamente rentável, a etimologia metafórico-visual dos ideogramas.

“Escrito sobre Jade” pode ser uma leitura muito interessante, não somente pela beleza de suas traduções, mas pela dedicação e minucioso trabalho de Campos. No posfácio, ele descreve seus critérios de trabalho19:

a) exame do texto original, com auxílio de versões intermediárias; b) estudo dos principais ideogramas, para desvelar neles, dentro das balizas semânticas lexicalizadas, o casulo metafórico, etimológico-visual, suscetível de aproveitamento poético; c) manter a concisão sintática e o característico paralelismo; d) tirar partido dos recursos tipográficos de espacialização na página, usando, inclusive, de modo assistemático, composição em caixa-baixa.

Interessante notar também que, no livro, toda tradução é acompanhada do original, na folha ao lado. Campos manteve, em seu livro, a orientação natural da escrita Chinesa, que Weinberger “ocidentizou” no primeiro capítulo:

 
 

Mas, se tudo que se tem é respeito, nenhum casamento teria fruto. A consciência de que se está criando algo novo não só facilita, mas justifica e empreitada impossível que é a tradução.

Outro poema de Wang Wei que aparece no em “Escrito sobre Jade”, cujo título Campos traduziu como Na Montanha, ganhou a mesma diagramação. Depois de tantos líquens, pores do sol e reflexos verdes, talvez o que mais nos aproxime dos poetas seja o frescor de um poema lido pela primeira vez:

 


Na Montanha

nas águas do ching afloram pedras brancas

debaixo do céu frio raras folhas rubras

trilha da montanha sem gota de chuva

o azul do vazio molha nossas roupas

— HAROLDO DE CAMPOS, 1988
(Campos, Escrito sobre Jade)

 

— LUCAS PRETI, 2023






 
  1. Quanto a qualquer dúvida, sugestão ou correção, esta é a minha página para contato.

  2. Acreditei que seria irrelevante, neste contexto, a distinção entre Mandarim, Cantonês e Chinês, e preferi por traduzir da maneira que o autor escolheu.

  3. As pronuncias, com a exceção do zh, são virtualmente idênticas ao Português.

  4. Bosque de Cervos, em português.

  5. Palavra francesa que designa a imitação ou evocação dos estilos chineses na arte ou na arquitetura ocidentais.

  6. Campanha de bombardeamentos realizada na Segunda Guerra Mundial pela aviação alemã contra o Reino Unido durante nove meses, entre 1940 e 1941.

  7. "A canção de amor de J. Alfred Prufrock", tradução de Ivan Junqueira.

  8. Palavra que designa qualquer língua criada, normalmente de forma espontânea, a partir da mistura de duas ou mais línguas e que serve de meio de comunicação entre os falantes dessas línguas. Via Wikipédia.

  9. Cross, moss (cruzar, musgo).

  10. Como musgo para nós.

  11. Escrito originalmente em Espanhol. Esta tradução foi feita a partir da tradução para o Inglês de Eliot Weinberger, a única versão que consegui encontrar.

  12. Coleção de traduções do Chinês de Ezra Pound. Mais informação na Wikipédia.

  13. Cedules from a Berkeley Workshop in Asiatic Philology, 1969, Peter Alexis Boodberg.

  14. Philology in Translation-Land.

  15. Trocadilho de [Wang] Wei e way [, "maneira"].

  16. Em progresso. Se quiser reclamar, elogiar ou me apressar, a página para contato é esta. 18 de Abril de 2021.

  17. Posfácio do tradutor, completamente desnecessário.

  18. Menezes Junior, A. J. B. de, & Chen Chen, F. (2019). Wang Wei e o Mistério do Musgo Verde Azulado. Cadernos De Tradução, 39(esp), 248–258. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp248

  19. O autor, na verdade, parafraseia “A Quadratura do Círculo”, ensaio que publicara em “A Arte no Horizonte Provável”, coleção de ensaios sobre poesia, tradução e linguagem.

 

Este post foi composto em Bookerly e Tiempos Headline Bold e impresso pelo Squarespace sobre tela OLED para Just a Phase films em 2023.